5.01.2009

"Essa Propriedade está Condenada"

Análise da caracterização da Personagem, a partir do texto "Dramaturgia: a construção da personagem" da pesquisadora Renata Pallotini.

Em Essa Propriedade está Condenada, o autor norte-americano Tenesse Williams apresenta de forma clara e marcante as características de suas personagens. Uma delas é uma menina, que atende pelo nome masculino Willie, possível apelido do autor, e a outra personagem é Tom, um garoto um pouco mais velho.

Willie segura em uma das mãos uma banana, e na outra, uma boneca “loura e destruída”, que no desenvolvimento da ação, percebemos como a representação de seu duplo: ao mesmo tempo, Willie brinca de boneca como uma menina ingênua, porém, possui aparência de uma mulher. Essa ambiguidade é melhor identificada quando o autor revela que Willie veste-se como uma prostituta com pulseiras e meia-calça, a despeito dos treze anos, adornada com roupas rasgadas herdadas da falecida irmã Alva, por quem possuía profunda e incondicional admiração.

A partir das características da irmã descritas pelo autor como sendo pura, branca, é possível imaginar que Willie, além das roupas da falecida, tenha herdado também aspectos físicos, como pele e cabelos claros. Sua voz deve denotar pela aparência frágil, uma docilidade e, ao mesmo tempo, uma firmeza a partir da situação de extrema pobreza e abandono em que se encontra.

Desde o início do texto, a menina já se movimenta em uma obstinada ação de equilibrar-se nos trilhos do trem. A cada queda, machuca-se, porém repete a ação no afã de superar-se a cada nova tentativa. Este conflito parece se estabelecer em uma estação ferroviária, um local de passagem, próximo a uma pequena cidade do Mississipi. Tenesse sugere a partir de falas da menina que, ela se encontra neste local, por uma necessidade de sobrevivência, afinal, em função da desestrutura familiar - um pai alcóolatra, a mãe fugiu com uma maquinista e a irmã falecida de tuberculose – Willie precisa se manter e informa que não vai mais a escola a alguns anos – valor dispensável às mulheres de seu tempo - e que também não namora mais meninos na idade de Tom, com quem trava diálogo enquanto se equilibra nos trilhos.

Ela diz ao menino possuir “namorados” mais velhos e maduros, maquinistas, ferroviários, “homens de passagem”, também “herdados” da irmã. A menina não deixa esconder certo contentamento em poder ocupar o posto deixado pela “parenta”, afinal, os tempos em que a falecida era viva, havia vida, música, beleza e alegria, no velho casarão da família de Willie, assim “como é no cinema”, compara a menina. Willie cresceu neste ambiente e demonstra ter cultivado com muito carinho e dedicação todos os ensinamentos da irmã sobre como se portar e conviver em sociedade.

As contradições da menina são explicitadas principalmente na oposição entre a sua aparência e a sua pesonalidade. Willie mesmo com toda a fragilidade e a inocência de uma menina de treze anos, mostra-se forte e não demonstra abalo ao narrar a Tom todas as atrocidades experienciadas em tão poucos anos de vida.

Willie fala de forma segura, objetiva e natural sobre a morte, a solidão, sua sexualidade e de suas obrigações. Quando se coloca é firme e não deixa dúvidas, como no momento em que Tom revela que ela dançou nua para um conhecido de ambos, Frank Waters, e que o menino sugere que ela faça o mesmo com ele. Willie prontamente o responde que estava se sentindo sozinha na época do ocorrido e que era para Tom dar o recado a Frank, que agora ela tinha mais responsabilidades e é categórica ao dizer que só namora homens de “empregos importantes”.

Entretanto, toda essa segurança nas ações, se conflituam internamente em Willie. Ao mesmo tempo que a mulher sabe de seus anseios, a menina apresenta também sonhos, devaneios e fantasias, que lembram filmes famosos. Essa atitude oscilante, assim como a sua ação de cambalear nos trilhos, deixa dúvidas ao leitor e a Tom se tudo o que foi narrado pela menina de 13 anos, não passa de uma ilusão.

A partir dos vários aspectos e riqueza de detalhes fornecidas pelo autor, Willie é apresentada com uma personagem redonda. A profundidade de seus gestos, ações e conflitos denotam uma trajetórica densa, que se contrapõe à condição plana de Tom. O personagem é introduzido nas primeiras rubricas como se acompanhasse sempre o movimentar gracioso e agitado de Willie. Ele a observa, coadjuvante, segurando nas mãos uma pipa. Encontra-se a espera do vento soprar, na expectativa de algo acontecer. Usa calças curtas e suéter.

A função de Tom no desenvolvimento da ação se determina a partir da presença arrebatadora de Willie. Tom pontua falas e devaneios da menina e esboça uma pequena mudança na sua maneira lacônica de responder, no momento em que demonstra interesses sexuais por Willie, porém logo depois retorna à sua condição monótona, assim como o ar parado e quente da estação ferroviária em que se encontram. Não é possível saber ao certo sua condição social e valores, mas percebe-se que é cético e demonstra à Willie duvidar de sua história, colocando em cheque a condenação da propriedade.