5.13.2009

Exposição de Fotos


O fotógrafo Marco Diniz expõe alguns ensaios fotográficos com atores caracterizados de personagens emblemáticos como Lilith, Joana D'arc e Geni (da Ópera do Malandro / Chico Buarque).


A exposição segue até 18 de junho, no Café com Letras (Rua Antônio de Albuquerque, 871, Savassi/ Belo Horizonte)


Ciclo Alain Resnais


Começou hoje, dia 13 de maio, a Mostra de longas e curtas do cineasta francês Alain Resnais, na Sala de Cinema Humberto Mauro, no Palácio das Artes. Imperdível!!!


"Ciclo Alain Resnais"

Local: Cine Humberto Mauro

Data: 13 a 31 de maio

Preço: R$ 5,00 (inteira); R$ 2,50 (meia-entrada*)

Mais Informações: (31) 3236-7400.

5.09.2009

Sem pensar

Algo me acontece inesperado.
Quero mais vezes experimentar sem esperar...

5.01.2009

"Amores Parisienses" de Resnais


“Amores Parisienses” é um dos mais recentes longas do cineasta veterano Alain Resnais (1922-), que em 2008 completou 60 anos de carreira. Resnais recebeu pelo filme sete prêmios César (nas categorias Melhor Ator, Montagem, Filme, Som, Ator e Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro), além de ser um de seus maiores sucessos de bilheteria.

Em parceria com os roteiristas franceses Jean-Pierre Bacri e Agnés Jaoui, Resnais conta a história de encontros e desencontros entre seis personagens, ambientada em Paris. Um escritor de peças de teatro para rádio, Simon (André Dusollier), ama em segredo uma guia turística, Camille (Agnés Jaoui). Porém, ela está apaixonada pelo charmoso chefe dele, Marc (Lambert Wilson). No entanto, tudo o que este último quer é vender um apartamento para a irmã dela, Odile (Sabine Azéma). A irmã quer comprar o apartamento mesmo com a desaprovação de seu marido, Claude (Pierre Arditi). O insignificante marido não concorda com o inesperado reaparecimento de um amigo de infância de Odile, Claude (Jean-Pierre Bacri) que se mostra nada confiável inicialmente.

Na tradução literal para o português lê-se “Nós conhecemos a música”. Ao contrário do que o nome nos remete, o filme não é um musical ingênuo norte-americano, e sim caminha para a desconstrução deste gênero amplamente difundido nos Estado Unidos dos anos 30.

Mesmo tendo passado por um contexto de guerras, a França e toda a Europa ainda assim receberam influências do estilo musical “fábrica de sonhos” americano. Entretanto, a ilusão e fantasia dos musicais norte-americanos ganharam outro peso e teor crítico nas mãos dos cineastas europeus. Se Jacques Demy transpôs o gênero para um sotaque francês sem sobressaltos em “Os Guarda-Chuvas do Amo” (1964), outros diretores transplantaram o modelo para um contexto europeu, com certos desvios de norma e rota: Ozon recorreu à trama do filme de suspense e mistério em “Oito Mulheres” (2002) e “Lars von Trier” apostou em uma estética diferenciada, como o melodrama naturalista-metafísico em ”Dançando no Escuro” (2000).

Outros foram mais longe na anti-alusão e experimentação formal: Godard fragmenta a continuidade no musical neo-realista -“Uma Mulher é Uma Mulher” (1961), e Straub-Huillet investiu em um musical marxista e materialista-dialético -“Crônica de Anna Magdalena Bach” (1967). Além disso, é impossível não citar as óperas operárias de Straub-Huillet, como “Othon” (1969), “Moses e Aron” (1974), “A Morte de Empédocles” (1986). Da mesma forma “Nós Conhecemos a música” de Resnais participa dessa linhagem, ironizando a fluidez ilusionista com doses de estranhamento e incômodo.

A começar por não trabalhar com os típicos “mocinho e mocinha” que mal se tocam como nos musicais norte-americanos, além de cantarem e sapatearem dando um clima de figuras inatingíveis e “perfeitas”. Nos filmes de Resnais, em especial “Nós Conhecemos a Música”, não há espaço para heróis que “acabam bem”: os personagens do diretor francês expõe seus pensamentos povoados por dramas universais, como a solidão, a desilusão amorosa e a incompreensão. Eles irão se expressar, ora em diálogos comuns, ora cantando. Afinal, a música é fundamental para Resnais.

“Para mim, num filme o texto é muito importante, a imagem é muito importante, a música é muito importante. O essencial é que tudo isso convirja para uma espécie de encontro, de balanço(...) Nunca poderei imaginar um filme sem música” PINGAUD, Bernard e SAMSOM, Pierre. Entrevista com Alain Resnais. Alain Resnais ou Criação no Cinema. 1969, Ed. Documentos Ltda, Pág.135)

Em “Nós Conhecemos a Música”, cada canção ganha na representação dos atores um clima de teatralidade, como se fosse uma opereta. Não é como nos musicais norte-americanos que tudo parece acontecer com fluidez e encantamento. Assim, em “Nós conhecemos a música”, os temas musicais não são utilizados na íntegra e entram como dublagem, o que reforça a artificialidade e amplia o efeito de distanciamento brechtiano. Resnais opta ainda por conservar as gravações originais, muitas delas sucessos antigos, na voz de Edith Piaf, Charles Aznavour, Yves e outros. O cineasta a cada cena ousa mais e lança mão de todas as possibilidades de estranhamento, arriscando colocar atrizes dublando vozes masculinas e vice-versa.

“Meu objetivo é por o espectador num estado tal que oito dias depois, ou mesmo seis meses ou ainda um ano depois, ao se ver colocado diante de um problema, o filme o impeça de trapacear e o obrigue a reagir livremente. Preocupo-me em me dirigir ao espectador em estado crítico. Para conseguir isso, tenho de fazer um cinema que não seja natural”. (PINGAUD, Bernard e SAMSOM, Pierre. Entrevista com Alain Resnais. Alain Resnais ou Criação no Cinema. 1969, Ed. Documentos Ltda, Pág.170)

Assim, é possível compreender porque nos filmes de Resnais há a utilização de entonações insólitas, gestos exagerados e uma cronologia esfacelada. Vale lembrar que o diretor é um apaixonado pelo teatro.

A escolha do roteiro musical em “Nós Conhecemos a Música” é de Bruno Fontaine. Além de um recurso de experimentação antiilusionista que descontrói o jogo de condução linear da narrativa clássica, proporcionando rupturas inesperadas para o espectador, a música assume também a função de comentário. Por exemplo, nos diálogos entre os personagens a música irá contrapor idéias, como é o caso da canção em que o galã Marc, dono de uma corretora de imóveis, interpretado por Lambert Wilson, está ao telefone tentando vender um apartamento para Odile, representada pela atriz Sabine Azéma. Enquanto aguarda a empresária atender a ligação, o vendedor cantarola uma canção em que expressa tédio pela espera. A representação do ator neste momento traz gestos teatrais. Quando a empresária atende, a música é interrompida e o ator falseia mostrando-se confiável e exemplar como se não estivesse incomodado com a demora. Neste instante sua representação retorna para uma gestualidade cotidiana. Este jogo verdade e ilusão é o tempo todo explorado por Resnais. Ao desligar o telefone, o personagem sairá com um colega ao encontro de Odile, para consumar a venda. Enquanto passeiam por uma calçada charmosa de Paris, o galã agora festeja a sua futura venda e canta uma nova música para o colega, que aponta o lado sedutor de Marc. Novamente a representação assume um caráter mais demonstrativo, pouco usual na linguagem cinematográfica.

Em outras composições, a música entrará reforçando uma idéia, e ainda sim, criando um clima antiilusionista. A hora em que o marido de Odile percebe que sua mulher se mostra íntima do amigo de infância Nicolas, sentirá violento ciúme e prefere afastar-se dos dois e observá-los de longe. O ator Pierre Arditi dubla uma música triste e sua atuação ao cantar é transfigurada para uma espécie de representação melodramática, combinada à carga dramática musical. Essa atitude exagerada e pouco natural reforçará o toque de humor e leveza da cena, não deixando o público se envolver.

Há momentos no amor platônico do corretor de imóveis e escritor de peças de teatro para rádio, Simon, que é muitas vezes manifestado pelas canções que o próprio dubla. Ele sempre se afasta e observa a “mocinha às avessas”, Camille, com olhar apaixonado. A partir desta ação, Resnais cria a convenção para o espectador de que toda as vezes que tal situação ocorre, o personagem Simon, interpretado por André Dussollier, irá declarar silenciosamente o seu amor, ao cantar uma música com ar de melancolia e paixão, sem que a guia turística Camille desconfie, afinal ela é namorada de Marc, o chefe do “enamorado”. Desta forma, Resnais não permite nunca que a forma de contar a história torne-se trivial, por mais que a fábula caminhe para esse lugar.
Já a personagem Odile, a empresária, não omite sentimentos, ao contrário do personagem Simon. Tudo o que pensa é explicitamente dividido em diálogos textuais e musicais. Dentre as várias músicas que a atriz dubla, a mais marcante é “Resista, prove que você existe”. Ela pronuncia mais de uma vez durante o filme este pequeno jargão melódico. Em uma das situações, a empresária aconselha o personagem de Jean-Pierre Bacri, Nicolas, a não se render ao fato de ser apenas um motorista e não ter dinheiro para trazer sua mulher e os filhos a Paris. Neste momento, a personagem de Sabine Azéma faz um gesto de luta, erguendo o braço ao cantar a música e evidencia novamente a estética distanciada e teatral proposta por Resnais.

Haverá circunstâncias em que a mesma música será cantada por dois personagens, em momentos diferentes, estabelecendo uma relação entre eles, como é o caso de Nicolas e a sua esposa, Jane, interpretada por Jane Birkin. Ela aparece em curto trecho da trama. Marido e mulher se encontram em uma estação de ônibus e ela diz em uma canção o quanto o ama, mas que terá de partir pela indecisão dele em relação à família. Em outra cena, em que Nicolas está acompanhado pelo corretor de imóveis Simon, e dá conselhos ao mesmo sobre Camille, os dois dublam a mesma música de Jane, esposa do motorista. A gravação, tanto para os dois colegas como para a esposa, é a original cantada por uma voz feminina, recurso que traz grande estranhamento ao espectador. A personagem de Sabine Azéma terá momentos em que dubla vozes masculinas e a estranheza se repete.

Concluindo, é impossível dissociar forma e conteúdo na obra de Resnais. Todas as experimentações estéticas do diretor trazem uma crítica de caráter social e/ou político. O cineasta francês dialoga com as questões de seu tempo. Sua obra não se interessa por conflitos particularizados de heróis da poética, pelos quais o espectador torcerá e se identificará. Mesmo ao contar uma história de amor, nela estarão evidenciadas as relações de poder, o ser humano ligado à história: homens comuns, representantes de um coletivo.

Os personagens de Resnais não passam por grandes obstáculos, a partir de um roteiro bem costurado, que irá levar à manipulação e ao envolvimento da platéia. O que o cineasta pretende é provocar uma aproximação do público, por causas coletivas, a partir da sensação de estranhamento, e assim realizar uma transformação social do homem e do mundo que o cerca, assim como almejava o poeta e teatrólogo alemão Bertolt Brecht em seu fazer teatral.

Sendo o cinema uma ferramenta mais acessível e considerado um dos meios de diversão mais baratos, é de suma relevância hoje revisitarmos portanto, a obra de Resnais e de tantos outros que cultivam esta idéia da arte como instrumento capaz de transformar o ser humano.

"Fala Comigo como a Chuva"

Análise do espetáculo "Fala Comigo como a Chuva" a partir do conceito de polifonia proposto na tese de doutorado do pesquisador Ernani Maletta.

O espetáculo “Fala Comigo como a Chuva”, texto de Tenesse Williams e direção da mineira Cythia Paulino, traz para a cena elementos discursivos construídos a partir do diálogo polifônico entre signos teatrais como o cenário, a luz, o figurino, entre outros. Eles contribuem para contar a relação entre um casal. Cada elemento colocado em cena sustenta de forma criativa e cuidadosa um diálogo permanente com a interpretação dos atores e o texto do dramaturgo norte-americano.

De imediato é possível perceber o cenário: uma delimitação do palco por um quadrado, que sugere um lugar íntimo, privado, entre quatro paredes. Em volta foram dispostas arquibancadas. O público se encontra em formato arena, podendo contemplar a encenação de três ângulos: frente e laterais direita e esquerda. No espaço da encenação, duas camas de solteiro idênticas, distribuídas uma ao lado da outra, equilibram a cena em mesmo sentido. São feitas de um material duro, que lembra o metal. Em cima de uma das camas, várias revistas e livros velhos. No canto esquerdo da área quadrada, garrafas transparentes, vazias, distintas em tamanho. Ao fundo, um painel colorido com uma pintura abstrata.

Desde o início do espetáculo, enquanto o público vai se assentando nas cadeiras, a estrutura da dramaturgia espacial contribui para que o espectador seja cúmplice da encenação. No centro, ao fundo, entre as duas camas, a atriz Samira Ávila se encontra sentada, em silêncio, e está vestida com uma camisola. Sua cadeira se encontra posicionada lateralmente em relação à platéia do centro. Ela lê um livro mexendo a boca e bebe a água de uma das garrafas presentes em cena. Às vezes alterna as duas ações com a de elevar o olhar atento e fixo ao longe, como se pensasse em algo além das quatro paredes do recinto. Ao fundo, toca uma música francesa.

A música é interrompida para a apresentação do segundo personagem, representado pelo ator Luiz Arthur. Ele está vestido com uma calça bege, sem camisa. Cambaleia, faz gestos e piadas com o seu estado, beija sua mulher e adormece em uma das camas. Parece bêbado. Ao presenciar o cheiro e as atitudes do marido, a personagem de Samira constata a embriaguez do marido e tenta buscar na indiferença e nos livros um refúgio, mas não dura muito e, aos poucos, vai se alterando e passando da tristeza à angústia, do desespero à raiva e do devaneio novamente à tristeza. A representação das várias qualidades de estado da atriz é reforçada pelos momentos em que troca de roupa. Ela coloca e recoloca várias vezes cada peça, com intensidades diferentes, contribuindo para a construção das tensões da cena.

Outro elemento fundamental para a condução dos pontos de tensão cênicos e composição da cena é a água. Ela é responsável por diversas metáforas no espetáculo e simboliza matizes contraditórios do universo feminino como a força e a fragilidade, a passagem do tempo e a a morte como fertilidade, a paz e a fúria.

No início do espetáculo, a atriz bebe a última garrafa com água e dá a impressão de ter esvaziado todas esperando pelo marido. A medida que o clima de conflito entre os dois personagens se estabelece, começa a jorrar uma água fina e continua sobre o painel, como se fosse a representação de um choro eterno. Aos poucos o volume de água aumenta e vai invadindo continuamente a cena, ensopando a roupa da atriz, todo o cenário, as vestes do ator, como se a relação a dois estivesse em naufrágio. Eles brigam e fazem sexo e, de-repente, uma música norte-americana toca ao fundo. Ela é familiar e remete a uma lembrança a dois. Eles começam a dançar. Logo, as ações anteriores se repetem em uma partitura de ações físicas precisa. O casal volta a brigar e fazer sexo, envoltos em água, como em um jogo de sentimentos opostos de desprezo e prazer, amor e ódio.

Em um terceiro momento, no final do espetáculo, após a explosão de sentimentos, a personagem da atriz Samira está exausta e uma água escorre lentamente, somente pelo seu corpo. Ela deixa que chova sobre ela até que toda a sua angústia seja levada pela água. Agora a personagem está serena. O reencontro com a água a liberta, a faz retornar a sua essência, como se o ocorrido devolvesse à personagem o equilíbrio.

Por fim, a água cessa de jorrar sobre o painel. O conflito entre o casal se esvai, a personagem feminina está frágil e amparada nos braços do marido. Antes que o espetáculo encerre, uma luz colore a cena e a água do chão de vermelho, sugerindo a trégua da guerra entre o casal, o choro do útero, a morte, o fim.

"Essa Propriedade está Condenada"

Análise da caracterização da Personagem, a partir do texto "Dramaturgia: a construção da personagem" da pesquisadora Renata Pallotini.

Em Essa Propriedade está Condenada, o autor norte-americano Tenesse Williams apresenta de forma clara e marcante as características de suas personagens. Uma delas é uma menina, que atende pelo nome masculino Willie, possível apelido do autor, e a outra personagem é Tom, um garoto um pouco mais velho.

Willie segura em uma das mãos uma banana, e na outra, uma boneca “loura e destruída”, que no desenvolvimento da ação, percebemos como a representação de seu duplo: ao mesmo tempo, Willie brinca de boneca como uma menina ingênua, porém, possui aparência de uma mulher. Essa ambiguidade é melhor identificada quando o autor revela que Willie veste-se como uma prostituta com pulseiras e meia-calça, a despeito dos treze anos, adornada com roupas rasgadas herdadas da falecida irmã Alva, por quem possuía profunda e incondicional admiração.

A partir das características da irmã descritas pelo autor como sendo pura, branca, é possível imaginar que Willie, além das roupas da falecida, tenha herdado também aspectos físicos, como pele e cabelos claros. Sua voz deve denotar pela aparência frágil, uma docilidade e, ao mesmo tempo, uma firmeza a partir da situação de extrema pobreza e abandono em que se encontra.

Desde o início do texto, a menina já se movimenta em uma obstinada ação de equilibrar-se nos trilhos do trem. A cada queda, machuca-se, porém repete a ação no afã de superar-se a cada nova tentativa. Este conflito parece se estabelecer em uma estação ferroviária, um local de passagem, próximo a uma pequena cidade do Mississipi. Tenesse sugere a partir de falas da menina que, ela se encontra neste local, por uma necessidade de sobrevivência, afinal, em função da desestrutura familiar - um pai alcóolatra, a mãe fugiu com uma maquinista e a irmã falecida de tuberculose – Willie precisa se manter e informa que não vai mais a escola a alguns anos – valor dispensável às mulheres de seu tempo - e que também não namora mais meninos na idade de Tom, com quem trava diálogo enquanto se equilibra nos trilhos.

Ela diz ao menino possuir “namorados” mais velhos e maduros, maquinistas, ferroviários, “homens de passagem”, também “herdados” da irmã. A menina não deixa esconder certo contentamento em poder ocupar o posto deixado pela “parenta”, afinal, os tempos em que a falecida era viva, havia vida, música, beleza e alegria, no velho casarão da família de Willie, assim “como é no cinema”, compara a menina. Willie cresceu neste ambiente e demonstra ter cultivado com muito carinho e dedicação todos os ensinamentos da irmã sobre como se portar e conviver em sociedade.

As contradições da menina são explicitadas principalmente na oposição entre a sua aparência e a sua pesonalidade. Willie mesmo com toda a fragilidade e a inocência de uma menina de treze anos, mostra-se forte e não demonstra abalo ao narrar a Tom todas as atrocidades experienciadas em tão poucos anos de vida.

Willie fala de forma segura, objetiva e natural sobre a morte, a solidão, sua sexualidade e de suas obrigações. Quando se coloca é firme e não deixa dúvidas, como no momento em que Tom revela que ela dançou nua para um conhecido de ambos, Frank Waters, e que o menino sugere que ela faça o mesmo com ele. Willie prontamente o responde que estava se sentindo sozinha na época do ocorrido e que era para Tom dar o recado a Frank, que agora ela tinha mais responsabilidades e é categórica ao dizer que só namora homens de “empregos importantes”.

Entretanto, toda essa segurança nas ações, se conflituam internamente em Willie. Ao mesmo tempo que a mulher sabe de seus anseios, a menina apresenta também sonhos, devaneios e fantasias, que lembram filmes famosos. Essa atitude oscilante, assim como a sua ação de cambalear nos trilhos, deixa dúvidas ao leitor e a Tom se tudo o que foi narrado pela menina de 13 anos, não passa de uma ilusão.

A partir dos vários aspectos e riqueza de detalhes fornecidas pelo autor, Willie é apresentada com uma personagem redonda. A profundidade de seus gestos, ações e conflitos denotam uma trajetórica densa, que se contrapõe à condição plana de Tom. O personagem é introduzido nas primeiras rubricas como se acompanhasse sempre o movimentar gracioso e agitado de Willie. Ele a observa, coadjuvante, segurando nas mãos uma pipa. Encontra-se a espera do vento soprar, na expectativa de algo acontecer. Usa calças curtas e suéter.

A função de Tom no desenvolvimento da ação se determina a partir da presença arrebatadora de Willie. Tom pontua falas e devaneios da menina e esboça uma pequena mudança na sua maneira lacônica de responder, no momento em que demonstra interesses sexuais por Willie, porém logo depois retorna à sua condição monótona, assim como o ar parado e quente da estação ferroviária em que se encontram. Não é possível saber ao certo sua condição social e valores, mas percebe-se que é cético e demonstra à Willie duvidar de sua história, colocando em cheque a condenação da propriedade.

Olhar sobre "Hiroshima Meu Amor"

Análise do Filme Hiroshima Meu Amor


“Hiroshima Meu Amor” (Hiroshima Mon Amour, 1959), longa-metragem de estréia do veterano Alain Resnais, faz um tratado poético e não menos crítico sobre os impactos da segunda guerra mundial e os vários significados atribuídos ao seu trágico desfecho: uma bomba atômica que representou o alívio para a humanidade com o fim do conflito, e ao mesmo tempo, marcou profundamente a história dos habitantes de Hiroshima.

Quatorze anos depois do massacre na cidade japonesa, o filme mostra que ainda é possível existir o amor para os sobreviventes do pós-guerra. Hiroshima, a mesma cidade que outrora fora alvo da bomba atômica e, portanto, símbolo de separação e desunião entre os homens, será, paradoxalmente, o local de encontros e atmosfera romântica do filme de Alain Resnais.

Em parceria com a romancista e roteirista Marguerite Duras, Resnais narra a história de amor entre uma atriz francesa ( interpretada por Emmanuelle Riva) e um arquiteto japonês ( por Eiji Okada), que se encontram e passam uma noite juntos. O cineasta nunca nos contará o nome deles. A atriz está em Hiroshima gravando um filme em favor da paz. Os dois são fruto de um passado de sofrimento. Em 1945, data que marca o fim da guerra, ela está na França e perde, em seus braços, o namorado, um soldado alemão. No mesmo ano, ele luta na guerra e recebe notícias do ataque americano à Hiroshima e da morte de sua família.

Resnais poderia contar desta maneira o filme, entretanto, talvez o argumento social e político pudesse se perder em meio ao drama psicológico dos personagens. Assim, o cineasta opta por não construir uma narrativa nos moldes clássicos. Ele não está interessado em convidar o espectador a embarcar em uma bela história de amor, trazendo uma falsa ilusão de que nada mais aconteceu após o cessar fogo.

Em 1959, o ser humano do pós-guerra está machucado. Ele não celebra o fim do conflito que assolou o mundo, pois o seu recomeço será árduo, principalmente depois de um tenebroso passado de cinzas. Não há mais a crença no amor. Ela deve ser reconstruída e, portanto, Resnais, como artista e representante de seu tempo, dialoga criticamente com este momento delicado que a história oficial se ocupa em omitir.

Em conversas com a romancista Marguerite Duras ainda no processo de construção do roteiro de “Hiroshima Meu Amor”, Resnais apresenta suas intenções em relação ao espectador. Ele quer motivá-lo a pensar criticamente sobre a bomba e seus impactos, construindo uma narrativa sem um comprometimento com a ação dramática e linear, marcada por um desenvolvimento de princípio, meio e fim.

“Falei-lhe pouco dessa noção de personagens que não seriam heróis, que não participariam da ação, mas que seriam testemunhas dela, exatamente aquilo que somos na maioria dos casos diante das catástrofes ou dos grandes problemas. Talvez se consiga melhor assim criar uma sensação de incômodo no espectador”
(PINGAUD, SAMSOM, 1969, P.17)

A partir destas características é possível constatar as preocupações de Resnais em construir um discurso que não conduzisse o espectador a um envolvimento emocional, ou mesmo, à identificação com indivíduos e seus conflitos particulares - sendo estas estratégias e particularidades da narrativa clássica. Para que “Hiroshima Meu Amor” tivesse como premissa básica a ruptura da ilusão, motivando o espectador a participar do filme, no sentido de fazê-lo sentir-se um sujeito histórico-social, ligado às questões de seu tempo, demandaria de Resnais lançar mão de recursos estéticos, optando, assim, por uma narrativa mais distanciada que suscitasse surpresas, perguntas, questionamentos ao espectador, ao estabelecer com ele uma convenção dialética de construção e ruptura da ilusão.

Neste jogo de falsear e mostrar, o próprio espectador tira as suas conclusões ao contemplar a “torrente de imagens” do discurso resnaisiano, construindo o seu final, e ao mesmo tempo, sendo impulsionado a experimentar uma sensação de coletividade e a pensar em um ideal de transformação social.

Assim, Alain Resnais, um homem de espírito moderno, atravessado por ideais de esquerda e marxistas e pelas teorias e reflexões de artistas, como o cineasta russo Serguei Eisenstein e o teatrólogo alemão Bertolt Brecht, propôs experimentações que fizeram de “Hiroshima Meu Amor” um dos filmes mais elogiados pela crítica, na época. Este acontecimento chamará a atenção de jovens cineastas franceses da Nouvelle Vague. O movimento foi iniciado em 1958, um ano antes de “Hiroshima Meu Amor” ganhar as telas francesas.

Influenciados pelo movimento Neo-realista italiano, os jovens cineastas Godard, Truffaut, Rohmer, e outros, propunham a ruptura estética com o cinema comercial, que utilizava por técnica a construção da ilusão através da ação dramática. Eles iriam experimentar uma nova forma de fazer cinema, a partir de um discurso descontínuo, fragmentado, com montagens inesperadas, marcadas muitas vezes por locações externas. Adotariam também o “Cinema do autor”, escrevendo os próprios roteiros.

Apesar de não escrever os próprios roteiros, Resnais foi incorporado à Nouvelle Vague por apresentar em “Hiroshima Meu Amor” muitos dos anseios do movimento. No livro Jean-Luc Godard, os autores Suzanne Liandrat-Guigues e Jean-Louis Leutrat, apontam menções de Godard, um dos expoentes da Nouvelle Vague, em que o cineasta tece elogios ao colega.

“Em 1959, Godard afirma que Resnais é o segundo montador do mundo depois de Eisenstein. ‘Para eles, montar quer dizer organizar cinematograficamente, e dizer, prever dramaticamente, compor musicalmente ou, em outras palavras mais belas: dirigir (...) Resnais inventou o travelling moderno, sua velocidade, sua saída brusca e sua chegada lenta’. Portanto, Godard coloca Resnais nas nuvens”. (GUIGUES, LETRAUT, 1994, P.64)

Tal afirmativa pode soar pretensiosa, quando se trata de comparar qualquer cineasta à altura do gênio Eisenstein. Porém, é inegável a importância e capacidade de Resnais em combinar planos e propor montagens por contraste ou simbólicas, atreladas a um ritmo musical e a um descompasso do tempo real, o que lhe imprimiria uma marca incomparável. Resnais demonstra muita intimidade ao propor surpresas em sua narrativa, porém, sempre muito fundamentadas, de quem sabe o que quer dizer e para quem pretende dizer.

“Meu objetivo é por o espectador num estado tal que oito dias depois, ou mesmo seis meses ou ainda um ano depois, ao se ver colocado diante de um problema, o filme o impeça de trapacear e o obrigue a reagir livremente. Preocupo-me em me dirigir ao espectador em estado crítico. Para conseguir isso, tenho de fazer um cinema que não seja natural”.
(PINGAUD, SAMSOM, 1969, P.170)

Assim, é possível compreender porque em seus filmes há também certo toque de teatralidade a partir da utilização de entonações insólitas, gestos exagerados e uma cronologia esfacelada. Vale lembrar que Resnais era um apaixonado por teatro e chegou a estudar por dois anos arte dramática, mas acabou se afastando para servir o exército.

Desta forma, verificamos um olhar muito peculiar para um cineasta que em todos os seus filmes se manteve fiel à opção estética do distanciamento. A começar pelo primeiro, “Hiroshima Meu Amor”. O prólogo do filme, com duração de quase quinze minutos, já nos apresenta uma profusão de imagens que se agrupam por seu caráter dialético, contrastante, com a intenção de confundir o espectador e gerar questões.

“A ordem segundo a qual as idéias ou as imagens se associam em nosso espírito é raramente cronológica. Pensa-se numa coisa depois numa outra que não tem relação alguma com a precedente, que não é uma sua continuação nem lógica, nem temporal. O verdadeiro realismo consiste em seguir essa ordem” (PINGAUD, SAMSOM, 1969, P.170)

Na primeira imagem de “Hiroshima Meu Amor” é possível assistir a corpos cobertos de uma areia brilhante, que indicam os vestígios da bomba atômica. Não vemos os rostos, somente mãos, braços e costas. Os corpos se acariciam. Neste momento, Resnais evidencia as duas temáticas contrapostas das quais irá tratar durante todo o filme: o amor e a guerra.

Na seqüência, uma lenta fusão e, em mesmo plano, o cineasta nos leva, aos poucos, aos corpos de um casal. Um homem e uma mulher, a pele deles está limpa. Estão juntos em pleno ato sexual. Não conseguimos identificar a expressão facial. Com isto, o cineasta já nos informa de que falamos de todos, da humanidade, e não de um indivíduo. A música acompanha a movimentação do casal, reforçando uma atmosfera erótica, contínua, de ritmos suaves. Os amantes dialogam enquanto se abraçam. A mulher diz ter visto Hiroshima e ele nega a cada afirmativa por ela pronunciada: “Não, você não viu nada”.

Ainda na seqüência do prólogo, aos poucos Resnais nos transporta através de um corte seco e inesperado para um universo objetivo, de fatos que se confundem com as lembranças entrecortadas da memória da mulher. Ela diz ter visto um hospital e nós vemos um hospital. Neste momento, ela assume uma posição de personagem-narradora que se estende até o final do filme. Nesta transição brusca, o diretor começa a nos dar as regras do jogo e a estabelecer um ritmo para o espetáculo de imagens.

Dessas surgem tantas outras imagens na seqüência: um museu, uma exposição de fotos, instalações com objetos, retalhos de vestimentas, nada mais do que resquícios dos efeitos da bomba sobre Hiroshima. Estas imagens são montadas em movimento simultâneo à voz feminina, que transmite ao espectador dados históricos, números, precisão dos fatos. A música contribui para o balé de imagens rápidas, até que nosso tapete é novamente roubado e voltamos ao quarto dos amantes. A atmosfera musical se modifica, somos enternecidos pela melodia. Em questão de segundos, Resnais nos surpreende e somos impulsionados à exatidão, à realidade científica dos fatos, que passa a ganhar fluxos diversos. Um cine-jornal mostra imagens impactantes: crianças deformadas, geradas no útero das mães de Hiroshima. A elas, Resnais combina o texto de Marguerite Duras que evoca belas metáforas como flores exóticas, de uma vitalidade surpreendente. Este jogo de ambigüidades meticulosamente calculado causa estranhamento: o cineasta nos desperta para uma aproximação crítica das mazelas vividas por Hiroshima.

Aos poucos, o clima se acalma. Estas sensações são trazidas pelo casamento de imagens que indicam a passagem do tempo. A personagem-narradora nos remete a uma sensação de que estão cada vez mais distantes as lembranças dos homens em relação ao horror da guerra. A humanidade, paulatinamente, se recupera. Ela diz sobre si mesma que chegara a se iludir de que nunca esqueceria a bomba atômica, assim como as suas tristes recordações de amor. Neste momento as imagens reforçam o fim do ato sexual. Não mais o amor e a guerra se atritam. A ordem é de cessar fogo. A voz feminina diz “como você é bom pra mim”, “você me devora”.

Em outro momento do filme, Resnais evidencia sua opção pela utilização de uma narrativa distanciada que desconstrói qualquer possibilidade de ilusão. O cineasta mostra o reencontro do casal, no set de filmagem, durante a gravação do filme em que a personagem de Emmanuelle Riva atua. De pronto, já se torna evidente a metaliguagem. Resnais evidencia o cinema dentro do cinema.

Nesta cena os amantes estabelecem um diálogo que começa a nos captar novamente para um clima amoroso e poético, quando a personagem de Emanuelle Riva, faz uma menção à bomba, dizendo, através de uma metáfora sutil, que depois da chuva o céu estará em completa escuridão. Vemos então cartazes, em planos fechados, com discursos contra a bomba atômica. Os cartazes se dirigem ao espectador de forma declarada, com afirmações questionadoras sobre o descontrole humano diante dos avanços da tecnologia e da ciência.

A narrativa distanciada se faz presente também na montagem de imagens que remetem às lembranças evocadas pela atriz francesa. Em algumas cenas, Resnais explicita os encontros da personagem com o antigo namorado alemão, morto na guerra. O diretor constrói a seqüência de uma forma clássica e linear. Toda vez que ela e o soldado são mostrados, ouve-se uma música alegre, de andamento ligeiro. Enquanto narra, Resnais mostra as seqüências em concordância com a voz da personagem-narradora. Em outros momentos, o diretor quebra esta estética e convida o espectador a um exercício de imaginação, assim como nas convenções teatrais, em que há a presença de um narrador. Um exemplo é na cena em que a atriz começa a enumerar os locais onde se encontrava às escusas com o amante. Ela cita vários lugares e Resnais não mostra nada e permanece com a câmera em Emmanuelle Riva. Assim que ela conclui a sua narrativa, o diretor apresenta as locações por ela citadas.

Outro momento significativo em que Resnais se utiliza da teatralidade como recurso de estranhamento, se passa em uma mesa de bar. A atriz francesa fala de suas lembranças tristes, chora. Resnais a enquadra sozinha em um único plano. A sequência dura em torno de três minutos. Pela qualidade técnica de Emmanuelle Riva e nenhuma outra imagem que nos roube a ilusão, permanecemos encantados e emocionados, até que o arquiteto japonês lhe dá um tapa no rosto. Todo o bar volta o olhar para o casal. Quando esperamos uma reação agressiva da atriz ou de desespero, vemos o esboço de um sorriso e a catarse dura pouco. Resnais nos devolve novamente à realidade.

Por fim, outro ponto significativo é o final aberto. Não sabemos o destino dos personagens de “Hiroshima Meu Amor”, ilustres desconhecidos. Resnais sugere no final um diálogo em que a atriz e o arquiteto discutem. Entretanto, o diretor não deixa pistas se haverá um desfecho, assim como acontece nos filmes de heróis. Para o cineasta é isso o que realmente importa. Os personagens de Resnais estão em processo. Eles são representantes da humanidade que se encontra em constante evolução. É neste ponto que reside a provocação do artista inquieto. Cada espectador saberá o seu final e construirá a sua história e a do mundo que o cerca.