11.15.2010

Esfinge

Eu digo: "Não consigo acreditar em você".
Ela sofre pois não fui o primeiro a lhe dizer isso.
O que ela pode fazer? Se olhá-la, de relance, como por inteiro, não restam lacunas. Ela é sólida esfinge, contínua. Mas se prestar atenção, é uma miragem. Tente soprar. Uma película muito frágil se desmancha para revelar outra impressão cruel. É só olhar mais fixamente. Atenha-se aos detalhes. Há rachaduras e frestas de realidade espalhadas por toda ela, por toda a sua totalidade inteiriça, maciça. O todo é instável e divisível. Por exemplo, ela anoitece a cada dia. Além disso, troca as folhas de tempos em tempos, sem nunca permitir um respiro de primavera. Tudo feito com discrição. Permanece no ciclo de uma única  estação gelada. Veja: algo nela é sutilmente partido. Falta sempre alguma coisa que daria a ela um encanto genuíno, natural, semovente. Mas não posso acreditar. Há tempos que algo se fechou. Como uma cobra enrosca-se em si mesma, em movimentos atritantes de contorção, remoendo consigo as dúvidas e angústias alheias. Nem sabe mais porque cria os próprios labirintos. Está ferida. Ela perde-se. Começa a endurecer e a congelar. Constrói fortalezas para se defender de tudo o que há.  Protege como uma leoa o único néctar que a mantém viva. Está lá, bem guardado. Nunca o vi, só ouvi contar. Nem sei o que é exatamente. Ela não diz nada. Estou proibido de entrar lá. Mesmo decifrando o segredo, nunca chegaria aos recônditos de sua verdadeira essência. Tento habitar o seu ninho estéril, ao menos, o seu reino de mentira, na ilusão de que algo vá derreter os castelos de gelo que se formaram dentro dos olhos dela. Me sinto fora de tudo o que é legítimo nesta monstruosa criatura, e mesmo assim quero caber dentro desta mulher. Insisto em beber o néctar, mesmo que para isso tenha que ser devorado. Por quanto mais?

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