5.17.2010

Cinza

É que naqueles dias chuvosos de dezembro que passei dentro de casa decidida de que seria o melhor a fazer para me colocar à espera, que de-repente tomei um aspecto verde. Um verde descorado, que aos poucos assumia uma vaga e despretensiosa impressão de agora parecer mais cinza do que nunca. E não há cor mais sem graça! Pois bem, cinza! Cinza vai com tudo e não é nada. Só é algo que se torna menos nada, perto de tudo. Olhava para dentro de mim e ganhava inúmeras e abomináveis gradações acinzentadas. Eu vivia sentada numa cadeira cinza-claro que havia sido de meu pai, um homem cinza-aço. Mal ousava abrir a janela. A luz do dia poderia quebrar o pacto das cinzas. Aos poucos eu criava tímidas raízes no assento que logo viriam a se tornar profundas e opacas, de uma monstruosa e protuberante "cinzentude". Eu estava presa àquela casa, àquela cadeira, à minha sentença. Estava presa a uma ligeira sensação cinzenta do que foi você, do que fomos nós. Um dia ventou forte. Estava tão envolvida e enforcada em meus propósitos "gris" que não consegui me erguer da cadeira a ponto de impedir que a janela se abrisse. E foi tão veloz que mal pude cerrar os olhos. Uma luz atravessou e veio aquecer meus pés. Algo estranho se passava. Foi de-repente que meus pés coloridos e despertos se movimentaram senhores de sua própria vontade. Não ousei desdenhá-los. Eles queriam andar e muito! Para todos os lugares! Só voltaríamos, eu e meus pés, quando após um pequeno descanso cinza, mas necessário, nos entregássemos a um novo e inesperado passeio.    

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